"Sou produtor de vinho biológico na Região Demarcada do Douro, em duas áreas distintas com cerca de 1 hectare cada. Uma com 32 anos, sistematizada em patamares situada no meio do vale do Rio Pinhão, certificada pelo método de produção biológica desde 2016, a Vinha da Fonte. A outra em altitude, a Vinha do Borrajo, próxima ao limite da região, mais jovem, com 8 anos e certificada desde 2021. A mais antiga possui certificação há 8 anos.
Consciente da importância de introduzir a componente animal em explorações regenerativas ou biodinâmicas, mesmo que não seja obrigatório na produção biológica, considero relevante a sua utilização sempre que possível, independentemente do método de produção. Acredito nas vantagens evidentes da integração animal… se estes existirem naturalmente na exploração, contribuindo para uma visão holística da produção, com foco na sustentabilidade económica, social e ambiental.
O desafio inicial para quem não possui animais na exploração reside em encontrar quem os tenha. Obviamente que numa exploração no meio de um vale abrupto no Douro, a distância habitual dos rebanhos torna a tarefa mais complexa. Pelo que, após dois anos de procura, consegui incorporar o pastoreio, mas na vinha junto a zonas de pastagem e portanto, no limite da região demarcada. No entanto foi necessário enfrentar os desafios comuns a quem lida com prestadores de serviços externos em atividades de pequena dimensão.
Será fascinante acompanhar as diferenças entre uma vinha adulta, com anos de práticas regenerativas, e uma vinha mais jovem beneficiando da integração de rebanhos. Ambas compartilham objetivos comuns, como promover o desenvolvimento de biodiversidade, incrementar a saúde do solo e fechar o ciclo de nutrientes para reduzir a dependência de fertilizantes químicos, além de capturar carbono.
A introdução do rebanho, foi feita durante o repouso vegetativo da videira e antes da operação de poda, que proporcionou uma vantagem prática notória, a facilidade de a realizar com a vegetação mais baixa, o que não apenas beneficia o podador, mas também quem remove a lenha resultante. A escolha estratégica envolve não triturar a lenha diretamente na parcela, preservando assim o enrelvamento. Vale ressalvar que a lenha é triturada nos caminhos de serviço, e posteriormente parte dela é incorporada na mistura de compostagem juntamente com outros resíduos da exploração.
Outra vantagem significativa é que durante o inverno, algumas ervas apresentam um desenvolvimento mais pronunciado do que outras, dependendo do seu ciclo e da resposta à disponibilidade de água e temperaturas no outono. O pastoreio possibilita a regulação desses crescimentos, estimulando em alguns casos uma resposta mais vigorosa por parte das raízes para a recomposição da vegetação e a formação de um enrelvamento mais amplo e robusto.
Vale a pena observar que a prática que adoto para controlar o enrelvamento durante o período de vegetação da vinha geralmente envolve um ou dois cortes, enquanto no período de prefloração o enrelvamento é tombado, não sendo cortado. Recorro a um cilindro, permitindo que a vegetação se desenvolva até à formação de sementes, assegurando assim a sua presença no ano seguinte. Essa abordagem não apenas protege eficazmente o solo durante os dias quentes de verão, mas também contribui para a preservação da escassa água que possa cair.
A principal vantagem que me motivou a adotar o pastoreio, é inequivocamente o que o rebanho incorpora. No presente caso, 60 ovelhas percorreram quase um hectare ao longo de 4 dias, deixando para trás detritos (urina e fezes) que, ao decompor-se, enriquecerão o solo com fertilização orgânica, aumento da matéria orgânica para melhorar a estrutura do solo e intensificação da atividade microbiana. Esses microrganismos contribuirão para a decomposição da matéria orgânica, fortalecendo o ciclo de nutrientes e estimulando a vida de organismos que promovem descompactação, arejamento e decomposição da matéria orgânica.
Além disso, é crucial não subestimar o papel da saliva deixada pelas ovelhas na vegetação e no solo. Estamos a falar de enzimas e microrganismos que auxiliam na decomposição, sais minerais como potássio e sódio fundamentais para o crescimento das plantas, nitrogénio na forma de ureia como fonte adicional, juntamente com fatores de crescimento, hormonas e pH regulado na saliva. Não podemos esquecer que esses elementos também desempenham um papel crucial na formação de agregados, potencializando ainda mais os benefícios para a saúde do solo.
E, como um eco da vida pulsante que a agricultura biológica promove, durante este período, testemunhei o nascimento de dois cordeiros. Esse evento, ressalta a riqueza da vida que o pastoreio sustentável pode trazer à nossa jornada agrícola. Ao nutrir a terra, também nutrimos as histórias vivas que ela tem para contar.
Ainda, não devemos negligenciar o facto de que numa produção de vinho diferenciado, natural e respeitador do meio ambiente, a saúde do solo e da planta são essenciais para o resultado final, o vinho. Este deve ser um reflexo autêntico de uma produção natural, desprovida de fatores externos para que possa ter um forte sentido de lugar.
Por último, partilho a abordagem utilizada para conduzir o gado dentro da parcela. Ao contrário do que muitos possam presumir, a sua condução não foi totalmente livre. Dividimos a área em 3 zonas, que foram sendo trabalhadas de acordo com a vontade do rebanho de se alimentar, que diminui ao longo do dia. Por vezes, abandonava-se uma secção para concluir o objetivo de corte no dia seguinte, momento em que o rebanho não hesitaria em comer, mesmo que fosse uma área menos “apetitosa”.
Esta abordagem revelou-se uma experiência digna de ser replicada, e certamente continuarei a fazê-lo, inclusive intensificando os esforços para implementá-la na vinha mais antiga. Encorajo veementemente todos aqueles que tenham a oportunidade a incorporar o pastoreio no seu processo produtivo.
Sejam bem-vindos ao caminho da regeneração… Saúde!"
in Revista A Voz do Campo - Fevereiro 2024