
A Perfeita Imperfeição dos Vinhos de Paulo Coutinho – Fev2025
Revista SÁBADO, por Pedro Henrique Miranda – Fev2025
A sustentabilidade, a regeneração e o respeito pela natureza regem a produção de Paulo Coutinho, autor de vinhos que subvertem as expectativas do Douro. Por Pedro Henrique Miranda
ESTA HISTÓRIA começou em 1992, altura em que, acabado de sair do curso de Enologia, Paulo Coutinho comprou aos pais o pouco menos de um hectare que compõe a Vinha da Fonte, em Celeiros do Douro. que replantou segundo a tradição clássica do vinho do Porto um field blend, mistura de castas, neste caso tintas como a Tinta Barroca, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Francisca e Tinta Roriz.
O projeto pessoal ficou-se por aí – em 1994, Paulo Coutinho juntou-se a Quinta do Portal, onde se tornou enólogo de referência. Ali ficou até que em 2016, ano em que com a vontade de abraçar um projeto “à escala humana” o levou a vinificar a primeira colheita da Vinha da Fonte e plantar, bem perto, em São Martinho da Anta, a Vinha do Borrajo.
De uma e da outra vinha chegam, respetivamente, os vinhos tinto e branco assinados por Paulo Coutinho, cujos perfis subvertem as expectativas mais comuns sobre o que o Douro pode ser. Falar com Paulo Coutinho sobre vinhos é falar sobretudo de agricultura. Ainda que a pergunta seja sobre vinificação, a resposta vem sob a forma de solos, chuvas, nutrientes, pragas e resíduos, em explicações elaboradas de “como fazer as coisas como deve ser” no contexto de uma viticultura de montanha. A partir daí, esclarece ter um vinho saudável é uma coisa simples”: se o seu trabalho como enólogo é “fazer intervenções e corrigir defeitos”, esse trabalho é muito facilitado quando a produção de uva é bem feita” Essas linhas orientadoras podem resumir-se em duas máximas: a agricultura regenerativa, como forma de garantir a saúde dos solos, e o que Coutinho chama biomimética – a imitação da natureza na vinha, o que explica que, na Fonte e no Borrajo, as videiras convivam com oliveiras, ervas e árvores de fruto, que para o enólogo, “não são competidoras mas, cooperantes”, uma lógica, defende que não Implica mais do que um regresso ao passado – “plantar batatas e couves foi algo que o pequeno agricultor duriense sempre fez”, comenta – mas “de olhos postos no futuro, porque os pesticidas estão a dar cabo do planeta”. Se, na vinha, Paulo Coutinho mostra irreverência pelas regras, na adega não é diferente. As fermentações são feitas em pipas abertas com exposição ao oxigénio (por oposição as cubas herméticas da maior parte dos vinhos de mesa) e os defeitos não são encarados como imperfeições: “Um defeito só o é se estiver em desequilíbrio, se existir em quantidades moderadas só traz carácter e personalidade.” Os seus vinhos são, pois, “conjuntos de pequenos defeitos que, todos somados, se tornam virtudes”, e que invertem a logica clássica de que um branco deve ser leve e muito aromático, e o tinto encorpado e austero.
É o Vinha do Borrajo, de curtimenta (fermentado com a pele da uva, incomum para brancos), a tomar a dianteira no que a potência diz respeito, com uma mistura de Gouveio. Viosinho e Encruzado que vai buscar notas marcantes de maça e pera envoltas num perfil evoluído e de marcante acidez “não gosto de vinhos de aroma muito exuberante, mas que tenham personalidade em boca” comenta o produtor.
Já no Vinha da Fonte, Coutinho trabalha as castas típicas do Douro com menos extração (“Quando extraímos, extraímos o bom e o mau”). Preenchendo a função da elegância com um perfil que representa, aromaticamente, a sua vinha: frutos do bosque, tons vegetais e um lado fumado e rústico muito sedutor. Nenhum deverá aguentar por décadas em garrafa, avisa o produtor, mas ambos prometem evoluir positivamente” por dias ou semanas uma vez removida a rolha.
VINHA DO BORRAJO 2022, GOUVEIO, VIOSINHO E ENCRUZADO
Mais maduro do que a maioria dos brancos que vão para o mercado com esta idade, este vinho tem uma fermentação com curtimenta e oxidação que lhe dá intensidade acrescida. Citrinos e minerais no nariz convivem com um paladar que exala frutos de pomar, especialmente maça e pera, com uma acidez de encher a boca.
VINHA DA FONTE 2021, VÁRIAS CASTAS
Um field blend de 14 castas em que se destacam a Tinta Barroca, Touriga Franca e Tinta Roriz, apresenta um perfil mais suave do que o típico tinto duriense pouco extraído, translucido e dominado por frutos silvestres, notas vegetais de bosque e um lado fumado. A acidez é proeminente e a leveza de boca não o impede de ser impactante e memorável, com um tanino rustico e muito suave.
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